
Foto: Divulgação/MAPPA
Satoru Gojo não é apenas o personagem mais poderoso de Jujutsu Kaisen. Ele é, talvez, o mais trágico. Seu domínio absoluto sobre as técnicas amaldiçoadas vem de uma herança rara: os Seis Olhos. No entanto, essa habilidade vai além do combate. Ela representa uma metáfora profunda sobre percepção, consciência e o custo psicológico de enxergar o mundo como ele realmente é, sem ilusões, sem véus, sem filtros.
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Longe de ser apenas um recurso estilístico, os Seis Olhos operam como um mecanismo narrativo de isolamento. Gojo vê o que os outros não podem ou não querem ver, e paga por isso com uma vida de distanciamento emocional, excesso de responsabilidade e ausência de reciprocidade genuína.

O que são os Seis Olhos de Satoru Gojo na narrativa de Jujutsu Kaisen
Em termos técnicos dentro do universo da obra, os Seis Olhos (Rikugan) são uma habilidade ocular passada exclusivamente dentro do clã Gojo, funcionando como complemento à técnica Limitless. Eles permitem que o usuário perceba e manipule energia amaldiçoada em níveis absurdamente precisos, quase microscópicos. Isso proporciona controle absoluto sobre os domínios da energia, reduzindo o custo de uso da técnica a praticamente zero e garantindo leitura instantânea dos fluxos de ataque e defesa.
No campo de batalha, isso se traduz em uma vantagem impossível de superar: Satoru Gojo não apenas prevê os movimentos do inimigo, ele lê a estrutura da realidade ao seu redor em tempo real. Para o espectador desavisado, os Seis Olhos podem parecer apenas uma variação de poderes comuns a personagens superdotados. Mas a genialidade de Jujutsu Kaisen está em transformar esse dom em símbolo: um dom que, quanto mais absoluto, mais solitário se torna.
A metáfora da percepção absoluta: ver demais também é perder
Os Seis Olhos operam como uma metáfora para a consciência expandida em um mundo limitado. Satoru Gojo é o único capaz de enxergar todas as falhas do sistema, os ciclos de violência perpetuados pela tradição, a hipocrisia das autoridades jujutsu e a inocência sacrificada de estudantes que entram nesse mundo sem plena escolha.
Sua percepção não é apenas técnica, é existencial. Ele vê mais do que os outros não por arrogância, mas porque está condenado a isso. E isso o destrói aos poucos.
Num mundo onde a ignorância é proteção, Satoru Gojo representa aquele que não pode ignorar mais nada. Seus olhos não se fecham, não se cansam, não esquecem. Ele está eternamente vigilante, ciente de cada pequena injustiça, cada perda anunciada, cada possibilidade desperdiçada. Essa hipervigilância, comum a figuras que lideram ou assumem responsabilidades extremas, o coloca num estado de tensão contínua, mesmo nos raros momentos de descontração.

Entre o poder e o fardo: a dualidade insuportável de Satoru Gojo
A maior ironia de Satoru Gojo é que ele é, simultaneamente, o personagem mais poderoso e o mais impotente da narrativa. Ele pode esmagar maldições de grau especial com um dedo, manipular o tempo-espaço e proteger a humanidade inteira com seu domínio. E, ainda assim, não consegue mudar o sistema que vitimou seus amigos, que oprime seus alunos e que ameaça perpetuar o ciclo que ele tanto odeia.
Essa impotência não vem da falta de força, mas da compreensão de que força sozinha não muda estruturas. Ele vê os meandros da política do Jujutsu, entende as raízes da decadência institucional e ainda assim se vê limitado. Seus Seis Olhos o fazem enxergar não só o presente, mas as consequências futuras de cada escolha. Ele sabe o que virá. E sabe que, muitas vezes, não há o que fazer.
Essa tensão o consome e é por isso que Satoru Gojo, mesmo cercado de alunos e admirado por muitos, é profundamente só. Nenhum personagem é capaz de acompanhá-lo plenamente em termos de percepção, o que o torna emocionalmente distante, quase inatingível.
Isolamento como consequência da lucidez
A simbologia dos Seis Olhos também pode ser interpretada a partir de uma perspectiva psicanalítica: o sujeito que vê demais é o sujeito que não consegue mais se relacionar de forma espontânea. Satoru Gojo é uma espécie de observador absoluto. Sua mente funciona como uma lente sem descanso, decodificando o comportamento de todos ao seu redor com precisão matemática.
Isso o impede de viver com leveza. Ele não é paranoico, mas é lúcido demais. Ele não é amargurado, mas não consegue mentir para si mesmo. Ele é o adulto lúcido em um mundo de crianças em negação. É o professor que sabe que alguns de seus alunos vão morrer. É o soldado que prevê batalhas antes que comecem e sofre por não poder impedir todas.
Esse tipo de consciência traz consigo um custo emocional altíssimo. É por isso que Gojo muitas vezes recorre ao humor, à provocação e ao sarcasmo. Essas atitudes funcionam como válvulas de escape para alguém que carrega um nível de estresse cognitivo e emocional sobre-humano.

O arquétipo do “iluminado isolado”
Do ponto de vista narrativo, Satoru Gojo se insere em um arquétipo clássico: o do ser iluminado que, por enxergar demais, se afasta dos outros. Ele é como Prometeu, que trouxe o fogo aos humanos e foi punido por isso. Como Cassandra, que previa o futuro mas nunca era ouvida. Como Sócrates, que foi forçado a beber cicuta por incomodar demais com sua sabedoria.
No mundo jujutsu, Satoru Gojo não é punido pelos inimigos, ele é punido pelo sistema. Ele é questionado, cerceado, desacreditado, isolado. Seus Seis Olhos, que deveriam ser um símbolo de vantagem, funcionam também como marca de exílio. Eles o separam de todos, como se dissessem: “você não pertence a este mundo comum”.
A relação entre ver e carregar
É impossível falar dos Seis Olhos sem mencionar o fardo que acompanha a visão absoluta: o fardo de carregar tudo o que se vê. Satoru Gojo é aquele que entende a raiz de cada tragédia, mesmo quando não pode evitá-la. Ele sofre não só pelas perdas, mas pela consciência antecipada de que essas perdas aconteceriam. Em outras palavras: ele carrega a dor antes, durante e depois do trauma.
Sua tentativa de mudar o futuro por meio dos alunos, como Itadori, Megumi e Nobara, é uma forma de resistência. Ele não pode mudar o sistema diretamente, mas tenta plantar sementes de transformação. Mesmo assim, sabe que isso pode não ser suficiente, e essa lucidez o acompanha como uma sombra.

O dom de ver é também a condenação de sentir
No universo de Jujutsu Kaisen, os Seis Olhos são muito mais do que uma técnica. São uma lente simbólica sobre o custo da lucidez, da genialidade e da responsabilidade. Satoru Gojo não é apenas um feiticeiro forte, ele é um retrato complexo do que significa perceber demais em um mundo que prefere a cegueira.
Seus olhos veem tudo. Mas ninguém o vê de verdade.A metáfora por trás dos Seis Olhos é clara: ver é um dom para poucos, mas suportar o que se vê é um fardo que quase ninguém deseja carregar. Satoru Gojo é um mártir moderno, alguém que não pode mais fingir ignorância. E, por isso, sua trajetória é não apenas épica, mas profundamente trágica.
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