
Foto: Divulgação/MAX
A segunda temporada de The Last of Us chegou com um peso que poucas séries carregam: o de continuar uma história que já dividiu profundamente seus fãs na versão original, lançada como jogo em 2020. O desafio da adaptação, no entanto, não está apenas em transpor cenas de um controle para a tela, mas em lidar com o impacto emocional que essas cenas causaram e continuam causando.
A decisão da HBO de seguir fielmente os rumos polêmicos do jogo é, por si só, uma escolha corajosa. Mas nem sempre coragem é sinônimo de sucesso. E o que se vê, ao final dos sete episódios de The Last of Us, é uma série que tenta abraçar sua complexidade moral sem encontrar o tom certo para sustentá-la.

A morte que redefiniu tudo em The Last of Us
A temporada não demora a mostrar a que veio. Já no segundo episódio, Joel é assassinado em uma cena dura, filmada com crueza e sem piedade. O impacto visual é imediato, mas o emocional se divide. A sensação que fica é de que a série não quer apenas chocar, mas obrigar o espectador a atravessar um luto incômodo, sem tempo para processar o vazio deixado por seu protagonista mais carismático. A violência é brutal, mas não gratuita. Ela é o estopim da jornada de Ellie e o ponto de ruptura que conduz todo o resto.
Ainda assim, a maneira como a série lida com as consequências dessa perda enfraquece seu próprio ponto de partida. Ellie, vivida novamente por Bella Ramsey, parece menos afetada do que deveria. A raiva que move sua trajetória no jogo dá lugar a uma introspecção morna, que raramente se traduz em ação convincente. Há momentos em que a personagem hesita, e a hesitação não soa como humanidade, mas como indecisão do roteiro. A intensidade que se espera de alguém tomado pelo desejo de vingança aparece diluída em diálogos excessivos e em cenas que tentam mostrar leveza em um mundo que não comporta mais nenhuma.
Abby entra em cena e ocupa o centro do palco
A entrada de Abby, interpretada por Kaitlyn Dever, oferece um respiro à narrativa. A personagem surge com peso e presença, mesmo sem tanto tempo de tela. Sua dor é palpável, e suas motivações, embora duras, ganham um contorno mais humano na série do que no jogo.
A decisão da HBO de suavizar sua imagem, ao menos neste primeiro momento, permite que o espectador a observe com mais curiosidade do que resistência. Ainda assim, há um desequilíbrio claro. Enquanto Abby é construída com cuidado e nuances, Ellie fica à deriva, sem direção clara e sem a força necessária para conduzir a temporada em sua totalidade.
Essa inversão de protagonismo pode ter sido intencional, mas o efeito prático é estranho. É como se a série quisesse que o público começasse a torcer contra Ellie, ou, ao menos, a questionar sua moralidade. Isso até poderia funcionar se houvesse um desenvolvimento emocional mais robusto. Mas o que se vê é uma protagonista esvaziada, movida mais pela obrigação narrativa do que por um impulso visceral.

Os buracos deixados pela pressa
Um dos principais problemas da segunda temporada é o ritmo. Ao escolher adaptar apenas metade da história do jogo, a série parece tentar preencher lacunas com cenas que não acrescentam profundidade. Há longas caminhadas seguidas de conversas banais, subtramas que começam e desaparecem sem conclusão, e um número considerável de sequências em que a ameaça dos Infectados é tratada como um detalhe irrelevante.
A construção de mundo, que foi um dos pontos altos da temporada anterior, se perde entre idas e vindas que pouco contribuem para o avanço da trama. O caso mais emblemático é o dos Infectados inteligentes, introduzidos de forma promissora em um dos primeiros episódios.
Eles atacam em grupo, emboscam personagens e elevam a tensão. Mas, sem explicação, são esquecidos nos episódios seguintes. A ameaça que antes moldava o comportamento dos personagens desaparece como se nunca tivesse existido. Essa incoerência compromete a credibilidade do universo criado pela série e deixa a sensação de que os roteiristas não sabem exatamente o que fazer com os próprios elementos que introduzem.
O tom dissonante e os ruídos na direção
Outro aspecto que incomoda na segunda temporada de The Last of Us é a oscilação de tom. Em um momento, os personagens estão em uma missão perigosa; no seguinte, estão tocando bateria em um teatro abandonado ou fazendo piadas em voz alta em locais onde o silêncio é questão de sobrevivência. A série parece, por vezes, esquecer que vive em um mundo colapsado. As tentativas de humor ou leveza, que poderiam funcionar como alívio pontual, acabam soando deslocadas e tiram a força de momentos que deveriam ser marcantes.

Esse descompasso também aparece na direção de alguns episódios. Há cenas belíssimas, como a floresta iluminada por tochas ou a neve cobrindo os arredores de Jackson, que mostram o cuidado com a estética. Mas há também escolhas questionáveis, como mudanças súbitas de foco narrativo, flashbacks que mais confundem do que explicam, e cortes bruscos que prejudicam a continuidade emocional da história.
O peso de um elenco irregular em The Last of Us
Se Kaitlyn Dever entrega uma Abby convincente, o mesmo não se pode dizer de Bella Ramsey como Ellie. Sua atuação, embora mais madura que na temporada anterior, carece de variação emocional. Há pouca diferença entre a Ellie em luto e a Ellie em combate, entre a Ellie apaixonada e a Ellie em conflito. Essa uniformidade prejudica o arco da personagem, que deveria passar por uma transformação intensa ao longo da temporada.
Além disso, a falta de química entre ela e Dina, vivida por Isabela Merced, compromete o eixo emocional da série. As duas compartilham várias cenas que deveriam carregar intimidade, cumplicidade e dor. No entanto, o que se vê são diálogos mecânicos e interações frias. Sem essa conexão, o vínculo entre as duas parece forçado, e o público tem dificuldade em se envolver com o casal como ponto de apoio emocional.

The Last of Us 2: Uma promessa adiada
Ao final da temporada de The Last of Us 2, o sentimento é de um longo prólogo. Muito foi prometido, pouco foi entregue. O que poderia ser uma jornada intensa sobre vingança, culpa e perdão se transforma em uma sucessão de episódios que parecem guardar o melhor para depois. A decisão de encerrar a temporada na metade da história é compreensível do ponto de vista da produção, mas frustra quem esperava uma conclusão mais impactante.
The Last of Us ainda é uma série com potencial. A ambientação continua envolvente, os temas permanecem relevantes e o universo construído tem camadas que merecem ser exploradas. Mas a segunda temporada não soube equilibrar ousadia e execução. Ao tentar humanizar todos os lados da história, acabou deixando seus personagens mais rasos, seus conflitos mais mornos e suas escolhas menos marcantes.
A terceira temporada terá, mais uma vez, a difícil missão de reconquistar o público. Não apenas por conta do que virá, mas, principalmente, pelo que ficou faltando. Se quiser sobreviver emocionalmente ao apocalipse que ela mesma criou, a série vai precisar reencontrar a dor, a fúria e a verdade que fizeram de sua primeira fase algo tão poderoso.
The Last Of Us está disponível na MAX.
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🎬 Review Final – The Last of Us: 2ª Temporada
Comentário final
A segunda temporada de The Last of Us tenta explorar dilemas morais complexos, mas se perde no ritmo, em escolhas narrativas indecisas e na construção emocional de seus protagonistas. Apesar da ambientação belíssima e da força de Abby como novidade, a série esfria onde deveria incendiar. Um prólogo estendido que promete mais do que entrega e deixa o peso da redenção para o que ainda está por vir.
2 thoughts on “CRÍTICA – The Last of Us: 2ª temporada esfria onde deveria incendiar”