Review | A.I.L.A – Quando o terror psicológico brasileiro acerta no desconforto
A.I.L.A entrega um terror psicológico brasileiro envolvente, cheio de escolhas, atmosferas variadas e ótimos puzzles. Experiência intensa e surpreendente.
É raro encontrar um jogo de horror que entende não apenas como assustar, mas como mexer com a sua percepção. A.I.L.A, novo título da Pulsatrix Studios, faz exatamente isso: provoca, confunde, manipula e, acima de tudo, prende. E talvez seja essa a maior força do jogo. Não é apenas sobre sustos; é sobre estar sempre em alerta, sempre desconfiando de tudo ao redor e até de si mesmo.
Depois de jogar A.I.L.A, fica claro que o estúdio brasileiro está amadurecendo seu estilo. Se Fobia já mostrava potencial, aqui vemos uma equipe mais ousada, experimentando com narrativa psicológica e construção de atmosfera de forma muito mais segura. E mesmo quando algumas escolhas não funcionam tão bem, o conjunto final entrega algo memorável. Não perfeito, mas memorável.

Um terror que conversa com você
A premissa ajuda muito: você controla Samuel, um testador selecionado para participar de uma experiência com uma IA capaz de criar simulações personalizadas de medo. Parece simples no papel, mas o jogo rapidamente mostra que não está brincando. Cada “cenário” elaborado por A.I.L.A é uma janela para um tipo diferente de horror, e, conforme a história avança, fica cada vez mais difícil separar o que é teste do que é realidade.
O jogo brinca com o jogador o tempo todo. E faz isso de um jeito inteligente. Não é sobre monstros ou violência gratuita, mas sobre sensação de impotência, sobre caminhar esperando que algo esteja à espreita, e, às vezes, o susto vem de algo que você nem viu acontecer.
A abertura é, sem exagero, uma das melhores sequências de terror psicológico dos últimos anos no cenário nacional. O design de som, a iluminação e a forma como Samuel é introduzido à IA criam um clima opressivo e extremamente eficaz. Ali, A.I.L.A acerta em cheio.
Experiências que variam e mantêm o ritmo vivo
Um grande mérito do jogo é a variedade de ambientes. Da primeira simulação claustrofóbica a cenários mais abertos, passando por florestas, corredores sombrios, áreas industriais e até locais que parecem arrancados de contos de terror clássicos, A.I.L.A sabe quando mudar o tom para não cansar o jogador.
E essa variação vem acompanhada de puzzles muito bem elaborados. Nada parece colocado apenas para preencher espaço; os enigmas têm lógica interna, respeitam o ritmo narrativo e estimulam aquela sensação gostosa de descoberta. É aqui que o jogo mais brilha: cada avanço parece significativo.
O interessante é perceber como a IA vai “entendendo” Samuel, moldando os desafios não só para assustar, mas para testar seus limites. Isso cria uma relação quase íntima entre jogador e jogo, uma conversação estranha, meio desconfortável, mas envolvente.

Atmosfera é o que segura tudo
Se tem algo que a Pulsatrix domina, é clima. A.I.L.A entrega cenários belos, assustadores e cheios de personalidade. A iluminação é cirúrgica em criar tensão, e o trabalho de som faz toda a diferença, passos, respirações, ruídos metálicos distantes, ecos que parecem acompanhar o jogador.
Mesmo sem ser um espetáculo gráfico, o jogo usa a Unreal Engine 5 com inteligência, apostando mais no estilo do que na fidelidade extrema. E isso funciona. Ao invés de se apoiar no realismo, ele abraça uma estética mais subjetiva, mais “suja”, mais inquieta. Dá para sentir a mão do artista em cada canto.
A dublagem brasileira é outro acerto absoluto, entrega naturalidade, emoção e intensidade quando necessário.
Jogabilidade que acerta no essencial, mas tropeça na ação
O gameplay segue a linha dos survival horrors clássicos: exploração, puzzles, administração de recursos e momentos de perseguição. E, nesse contexto, A.I.L.A funciona muito bem. A movimentação é simples e direta. A progressão é clara e recompensadora.
Quando o jogo foca em terror psicológico, ele domina. Quando tenta abraçar o combate, porém, a experiência perde força. Os confrontos são simples demais, a mira às vezes não responde como deveria e alguns encontros acabam quebrando o clima que o jogo constrói com tanto cuidado.
Nada que destrua a experiência, mas são os momentos onde fica claro que o estúdio funciona melhor no horror atmosférico do que no confronto direto.

Uma história que te mantém encucado
Não é uma narrativa explosiva ou cheia de reviravoltas absurdas, mas A.I.L.A sabe contar sua história. Sabe como criar dúvida, como sugerir mais do que revelar, como conduzir você por caminhos que parecem seguros e, de repente, desmontar tudo.
As múltiplas possibilidades e finais diferentes aumentam o valor de replay, e a relação de Samuel com a IA se torna o ponto mais interessante do jogo. À medida que os testes avançam, o jogo vai exigindo do jogador não apenas atenção, mas interpretação.
A estranheza é constante, e é exatamente isso que torna a história tão boa.

A Pulsatrix está no caminho certo
A.I.L.A não é perfeito, mas poucos jogos de terror psicológico realmente são. O gênero sempre carrega imperfeições que fazem parte da experiência. O que importa, no fim, é o impacto. E, nesse ponto, o novo título da Pulsatrix acerta.
É um jogo que te mantém tenso, curioso e desconfortável na medida certa. É inventivo, ousado e cheio de personalidade. E, mesmo com falhas em combate e alguns tropeços técnicos, entrega algo especial.
É um dos melhores representantes recentes do horror brasileiro, e um passo claro na evolução da nossa indústria.
Nota: 8/10 – A.I.L.A é perturbador, criativo e envolvente, um terror psicológico que merece ser jogado.
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